terça-feira, 16 de outubro de 2012

Por outro lado...


'...-Nós pertencemos ao underground, velho.- disse Beny.
-Não veremos jamais a nossa obra vertida para o inglês nem comentários no suplemento literário do times e tampouco seremos a estrela das páginas amarelas da Veja. por outro lado, podemos nos tranquilizar porque nenhuma dorothy Dalton da imprensa nacional vai tentar nos reduzir a pó de merda, dizendo que a nossa obra não é suficientemente instigante, contemporânea ou vanguardeira....'

Maria Adelaide Amaral, 'Aos meus amigos'

De parto normal é que nasce a poesia

sobre o processo pelo qual surge um poema:

'Visar, emocionar-se, olhar para dentro.'
                                          Frost

No metrô

A inspiração veio dentro do metrô. Tateio dentro da bolsa um bloco que carrego comigo. tem que estar ali. Está. Com a mesma mão, alcanço a caneta.
Confiro as estações, tenho um tempo  de cinco estações ainda para escrever.
Ensaio um a maiúsculo e fico parada, esperando. Um senhor olha a tatuagem de um moço sentado ao meu lado. Reprova com o olhar.
Olho pra folha, o A lá. Rabisco e viro a folha.
Vejo que o senhor agora descarrega a perplexidade sobre a minha tatuagem. Mexo o pé avisando : 'To te vendo' e olho pra folhinha do bloco em branco. Tão pálida e vazia. Faço um círculo imaginário quase encostando a caneta no papel.
Agora um sinal de paz, depois uma florzinha do lado. Do mesmo jeito, no ar.
duas estações.
É bom eu prestar atenção.
A folha em branco me olha triste.
A caneta entre os dedos parecendo dizer; -Estou à postos.
O visor avisando 15 graus e chuva fina lá fora.
Meu celular apitando  avisando que vai ficar sem bateria bem na hora em que mais precisava
do aparelho.
Um apito.
Avisam; Brigadeiro.
Cheguei.
Guardo o bloco.
Não saiu nada.
Ou saiu?

Silvana Gonçalves